Do Barreiro à Cantareira
Em Candosa, terra de oleiros até meados do século passado, em que, primeiro a emigração para o Brasil e depois para a Europa, deixou as suas marcas na extinção do que foi a principal fonte da economia das suas gentes, hoje já não há oleiros activos. O único que o poderia fazer, José Padeiro, está impossibilitado por ter ficado sem uma perna e viver numa cadeira de rodas. Eram conhecidos, até meados do século passa-do, os oleiros e vendedores de Candosa que na sua localidade trabalha-vam e de terra em terra vendiam ou trocavam as suas peças. Ainda por volta de 1940, apesar da emigração para o Brasil, a maioria da população de Candosa se dedicava
à olaria, nas suas diversas funções.
Para essa função muito contribuíam as mulheres com as suas actividades específicas, não só na venda mas também no transporte e escolha do barro e ainda no seu “burnir”de algumas peças.
Não era fácil esta actividade. Começava pelo cavar do barro com enxadões pequenos, quase sempre de joelhos, fosse no Vale do Grou, barro branco, mais forte e necessário para uma boa liga, fosse no Forno Telheiro, barro vermelho e mais fraco mas também indispensável para que, através da mistura, se pudessem obter boas peças. Sendo trabalho muitas vezes executado pelas mulheres eram elas que a seguir o carregavam em cestas, à cabeça, para uma laje onde era colocado a secar. No fim de seco era molhado e misturado, normalmente 3 cestas de barro branco, forte, e uma de barro vermelho, fraco, de forma a fazerem uma liga consistente para poder ser trabalhado e sair uma louça de qualidade, como era conhecida a louça produzida em Candosa. Essa massa obtida era amassada, como se faz ao pão, e bem escolhida, de forma a retirar-lhe todas as pedras ou impurezas que pudessem impedir uma boa fornada de louça.
Depois de bem amassado e escolhido o barro era dividido em “polões”, bolas de barro que seriam trabalhadas na roda de forma a fazer-se a peça pretendida. Cada polão tinha o tamanho, consoante a peça que se queria fazer.
O polão ia para a roda e aí o oleiro com o pé descalço fazia girar a roda e com as mãos moldava a peça que pretendia. Usava para isso não só as mãos mas também outros instrumentos: a linha, a cana, a sola… cada uma com a sua função.
Depois de moldada e retirada da roda era posta a secar à sombra, dentro da oficina do oleiro, durante algum tempo (normalmente oito dias no Verão e um pouco mais no Inverno). Quando estava meia seca podia ser “burnida” (esfregada com uma pedra própria e lisa de forma a dar-lhe algum brilho, após a cozedura) o que se fazia principalmente às panelas e aos tachos.
Depois de seca era levada a cozer em forno comunitário, ou individual, onde cada um no dia determinado cozia a sua louça. Normalmente podia ser cozida louça vermelha ou preta. A cor não dependia do barro mas sim da cozedura. Era mais usada a cozedura preta nas panelas e tachos. A louça vermelha era cozida com caruma, carrascos e ervas, mas a louça preta era cozida com cavacas a toda a volta e tapada com “leivas” (terra com erva verde que fazia uma protecção consistente) e terra por cima de forma a que não entrasse nenhum ar nem saísse fumo, porque era ele que lhe dava a cor. Quando se cozia a louça preta era necessário ter uma pessoa constantemente a guardar para tapar imediatamente qualquer pequeno buraco que pudesse surgir de forma a não estragar a louça ou a cor.
Uma fornada de louça, devidamente enformada (colocada de forma a que não se partisse nem se estragasse) demorava cerca de três horas a cozer.
No fim de cozidas as fornadas necessárias, lá iam os oleiros de terra em terra vender ou trocar a louça pelos produtos de que precisavam para alimentar os seus e conseguirem governar a sua vida. No fim voltavam à faina para que o sustento se mantivesse e a vida continuasse. Uma vida de sacrifícios que é hoje difícil de imaginar, quanto mais viver.
Texto de Prof. José Rosa Fernandes
- Quadra Popular
Candosa, terra de oleiros,
emigrantes, tradições,
onde o barro ‘inda hoje
faz chorar os corações.